Por Gabriel Bittencourt e José César Valeixo Neto, Presidente e Vice-Presidente da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB/PR, advogados atuantes em Curitiba, e especializados em ações de indenização.
Muito se fala sobre a morosidade da Justiça e sobre os transtornos que ela impõe na vida e nos negócios das pessoas. Aponta-se como causa para esse problema o sistema processual, com suas infindáveis formalidades e excesso de recursos. Indica-se também como causa a falta de estrutura, aparelhamento e modernização do Judiciário para atender o crescente número de demandas. As dificuldades, contudo, vão muito além disso.
A intenção deste artigo é alertar para outro problema que pouco é alvo de críticas, e que acaba por prejudicar, de modo particular, nosso sistema de responsabilidade civil. Trata-se da forma de pensar dos operadores do Direito.
Pra começar, temos o advogado. Tão habituado a litigar e ser reconhecido por isso, ele muitas vezes esquece que, na maior parte das situações, uma composição é a melhor opção para o seu cliente.
Especificamente nas ações de indenização, é comum ver processos de pequeno valor se transformarem, após anos de litígio, em somas significativas. Tecnicamente, o trabalho dos advogados pode ter sido perfeito, mas será que atendeu aos interesses do cliente?
E não se diga que isso se deve ao arbitramento de vultuosas indenizações, pois, ao contrário, os valores são módicos Eles se tornam significativos apenas em decorrência do tempo transcorrido, pela consequente aplicação da correção monetária e dos juros de mora.
É preciso que ampliemos nossos horizontes, no sentido, por exemplo, de aprofundar a nossa compreensão do direito comparado. Nos Estados Unidos, grande parte dos casos que envolvem indenizações sequer chegam aos tribunais, pois terminam em acordo muito antes disso.
Ainda no que tange à realidade norte-americana, é importante ressaltar que o seu sistema de responsabilidade civil não se resume a casos milionários, como erroneamente acreditamos. Muitas vezes a condenação só alcançou este patamar em razão da litigância de má-fé do réu, seja por mentir, por procrastinar, ou por demandar sobre matéria pacificada nos tribunais.
Com relação especificamente ao arbitramento da indenização por dano moral, critérios como a extensão do dano e a condição econômica das partes são minimizados, pra não dizer quase anulados, pela subjetividade do critério “vedação ao enriquecimento sem causa”. Ou seja, é mais importante limitar a indenização, para que não ocorra este enriquecimento, do que apurar efetivamente o tamanho do prejuízo causado e a dor realmente sofrida.
Essa postura, contudo, choca-se diretamente com o princípio maior da responsabilidade civil, segundo o qual é preciso restituir integralmente o que foi perdido no evento danoso. Assim, o que deve nortear o arbitramento das indenizações é a busca do retorno ao status quo ante, o qual precede aquele critério limitador.
Os norte-americanos, até em razão da sua história cultural, têm mais intimidade com a ideia de liberdade, merecimento e, principalmente, de respeito à integridade humana, de modo que, mesmo nas demandas, eles não se esquecem de que tempo é dinheiro, pois afinal, “não existe almoço grátis”.
Toda demanda tem conteúdo econômico, e grandes corporações têm na ponta do lápis os seus investimentos, custos e riscos. Sabem, por exemplo, quando não investem na correção de um problema que afetou centenas de pessoas, qual é a sua probabilidade de gasto, caso estas pessoas recorram ao Poder Judiciário. E mais importante ainda, elas decidem não investir, porque sabem que é menor o custo de arcarem com o pagamento das eventuais indenizações.
Também é preciso levar em conta números, estatísticas, informações sobre as partes etc. Antes e durante o trâmite dos processos, acabamos não valorizando todos estes dados, que têm um papel muito mais revelador do que parece.
Enfim, resolver os problemas citados acima é fundamental para que a responsabilidade civil atinja, então, sua finalidade, qual seja, a de garantir o retorno ao status quo ante.