Matéria publicada na Revista da OAB/PR em Março de 2018 por Gabriel Bittencourt.

 

Click para fazer download

Em algum momento do seu cotidiano profissional, todo advogado que já atuou numa ação de indenização por dano moral deve ter se perguntado: e agora, qual valor deve ter esta indenização? Há tantos textos, artigos, trabalhos acadêmicos e livros sobre o tema “dano moral” que às vezes me vejo sem alternativa: preciso escolher esse ou aquele para ler. Não me lembro, porém, de ter visto algum trabalho relevante e bem realizado sobre a questão da mensuração da indenização por danos morais.

Nos eventos organizados por nossa Comissão de Responsabilidade Civil, independentemente do assunto que dê nome ao encontro, sempre nos vemos, em algum momento, discutindo o mesmo ponto: quais valores as indenizações por danos morais têm alcançado em tal caso? De que maneira essas indenizações têm sido fixadas? Etc.

Advogados criticam juízes em razão da maneira como eles arbitram as indenizações, seja pela inconsistência dos parâmetros utilizados, seja pela insegurança jurídica decorrente da variedade de resultados em casos semelhantes. Do outro lado, juízes criticam advogados por pedirem indenizações por dano moral em situações nas quais eles entendem haver apenas aborrecimentos e também por não detalharem e provarem a extensão do abalo moral alegadamente sofrido.

Diante dessa dificuldade, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula nº 326, que estabelece o seguinte: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.

Ocorre que o novo Código de Processo Civil, diferentemente do anterior, previu em seu art. 292, inciso V, que: “O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: (…) V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido”.

A partir dessa inovação, então, passou-se a questionar o seguinte: teria a súmula nº 326 do STJ sido superada pelo novo CPC ou seria ela compatível com a nova legislação processual?

Observemos um trecho do Recurso Especial nº 432.177/SC, um dos julgados que motivou a elaboração da referida súmula. Nele se explica porque não parece razoável aplicar a regra da sucumbência com relação à fixação do valor da indenização por danos morais:

Dada a multiplicidade de hipóteses em que cabível a indenização por dano moral, aliado à dificuldade na mensuração do valor do ressarcimento, tem-se que a postulação contida na exordial se faz em caráter meramente estimativo, não podendo ser tomada como pedido certo para efeito de fixação de sucumbência recíproca, na hipótese de a ação vir a ser julgada procedente em montante inferior ao assinalado na peça inicial […].

A sucumbência recíproca não tem lugar aqui […].

Já no Recurso Especial nº 579.195/SP – em cujo julgamento também estão as raízes da súmula em questão – constou o seguinte:

Por outro lado, quanto ao segundo ponto, em se tratando de reparação por dano moral, não fica o magistrado jungido aos valores pretendidos pelo autor, na inicial. Por isso, reconhecido o direito à reparação, ainda que esta venha a ser fixada em valores muito inferiores à quantia pleiteada pelo autor, não há falar em êxito parcial ou sucumbência recíproca. A sucumbência é total, uma vez que o objeto do pedido é a condenação por dano moral. Escapando o valor da condenação à vontade do ofendido e inexistindo, consoante a sistemática de nosso direito positivo, tarifação para os casos de lesão ao patrimônio imaterial, desde que procedente o pedido, o êxito da parte autora é sempre total, a menos que, tendo havido cumulação de pedidos, num deles haja sucumbido. […]

O conceito mais importante para que se possa compreender a razão de ser da súmula nº 326 é “exatidão”. Por mais cauteloso que um advogado ou juiz seja no momento de atribuição de valor para a indenização por dano moral, ele nunca será preciso o suficiente para encontrar o valor financeiro perfeitamente adequado para o dano imaterial, ao contrário do que ocorre com o dano material.

É por isso que os precedentes que provocaram a edição da citada súmula mencionavam que o valor pleiteado na petição inicial, por mais determinado que fosse, era apenas estimativo, razão pela qual não fazia sentido aplicar a sucumbência quando o magistrado arbitrava uma indenização em valor menor que o requerido pelo autor.

E o novo Código de Processo Civil não alterou tal lógica. Apesar de o seu art. 292, inciso V, ter determinado que, mesmo no caso da indenização por dano moral, seria necessário atribuir um valor certo para o pedido, o raciocínio permanece o mesmo.

É óbvio que demandar envolve riscos pelos quais as partes precisam ser responsabilizadas. Contudo, não parece prudente responsabilizar o autor por não ter mensurado adequadamente uma indenização que até hoje nenhum expert conseguiu determinar com exatidão. Por mais parâmetros e métodos que sejam utilizados para balizar o aferimento monetário do dano moral, ele nunca deixará de ser subjetivo, principalmente num cenário no qual não há indenizações tabeladas ou pré-fixadas.

Apesar desta evidente subjetividade, há quem defenda que é razoável esperar que o autor, no mínimo, verifique na jurisprudência qual é o valor médio das indenizações por danos morais que têm sido fixadas em casos semelhantes, para, então, colocar na petição inicial o seu pedido com valor determinado. Há quem diga, inclusive, que, para não haver dúvidas, o correto seria fazer essa checagem na jurisprudência do STJ.

Será que isso é mesmo razoável? Creio que não. Os contínuos esforços da doutrina para incentivar o fortalecimento dos precedentes apenas confirmam o fato de que nossa jurisprudência ainda é extremamente heterogênea e que o nosso sistema jurídico definitivamente não é marcado por segurança jurídica.

E, mesmo que a realidade não fosse essa, será que encontrar a média dos valores das indenizações por danos morais para determinado caso é algo realmente factível para um advogado? Ora, essa média não é encontrada a partir da análise de somente 10 ou 20 julgados. Considerando o que a estatística tem para nos ensinar, pode-se dizer que, para tanto, seria necessária uma pesquisa muito mais ampla e completa, que certamente não poderia ser feita por apenas um advogado, em duas ou três horas de busca.

Quanto ao STJ, lembre-se que, como resultado da construção de uma forte jurisprudência defensiva nos últimos anos, muitos dos casos de responsabilidade civil sequer chegam até ele.

Em conclusão, acredito que a inovação contida no art. 292, V, do novo CPC, objetivou apenas impedir que se apontasse para a causa um valor simbólico – o que reflete nas custas processuais iniciais, por exemplo – não intentando, contudo, gerar o ônus da sucumbência para o autor que recebeu uma indenização por dano moral de valor mais baixo que o pleiteado por ele na petição inicial, de modo que, por consequência, a súmula nº 326 do STJ se mostra totalmente compatível com a nova lei processual.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/quanto-vale-o-sofrimento-bwi5pdeudhi0t3bpl6sv61hzi